De vez em quando o vulcão acorda

Dia de Jerusalém (para os israelitas), 13 de Maio de 2018. Foto: jmr/arquivo

As sociedades Israelita e palestiniana vivem um momento de radicalização indisfarçável e, provavelmente, essa radicalização ainda não atingiu a máxima expressão. O processo de radicalização não começou agora ou nos poucos meses após o 7 de Outubro. Basta analisar o deslizamento do voto israelita para partidos da direita radical (colonos e religiosos) e o crescente apoio ao Hamas nos territórios palestinianos. E dentro deste extremar de posições acrescente-se o apoio a soluções belicistas.

Décadas de conflito

O cansaço de um conflito que dura há demasiado tempo ajuda a explicar a procura (radical) de uma resposta definitiva e esse conflito prolongado deve-se à ocupação dos territórios palestinianos e à sempre prometida e nunca concretizada criação de um Estado Palestiniano, para além da questão de Jerusalém e dos refugiados.

De um lado, os que estão cansados de atentados e de insegurança, não querem, de maneira nenhuma, que esse Estado Palestiniano seja criado e querem anular qualquer possibilidade de que isso possa ser (re)colocado na agenda política; do outro lado, os que estão cansados de esperar, fartos das promessas de diálogo e de negociações que mais não têm sido do que uma estratégia subtil de manter, prolongar e alargar a ocupação, intensificando a humilhação e esmagando a dignidade dos que sofrem essa ocupação; estão fartos das incursões militares em vilas e aldeias que deixam um lastro de morte e destruição, fartos de check-points, fartos das prisões, fartos das punições colectivas.

Podemos esconder a cabeça na areia e tentar encontrar os culpados que melhor se adaptem às teses simplistas que tudo explicam com o “terrorismo” e com a tentativa de acabar com o Estado de Israel. Esse caminho pode apaziguar consciências e ajudar a tomar partido, mas para percebermos melhor o que aconteceu a 7 de Outubro talvez possamos recorrer à imagem de um vulcão adormecido. Um vulcão pode estar adormecido durante muito tempo, mas a natureza faz com que, um dia, a lava volte a jorrar. A única forma de travar o vulcão em que o conflito israelo-palestiniano se transformou é através do diálogo sério, do reconhecimento do outro, de negociações entre iguais, concessões, cedências, vontade de construir a paz. Nunca através de uma relação em que alguém domina e alguém é dominado. Essa matriz nunca resultou e nunca irá resultar. Essa matriz alimenta as placas tectónicas que empurram a lava e a fazem jorrar, mortífera.

Tragédias

Evidentemente que o 7 de Outubro foi uma tragédia. Não há nenhuma dúvida sobre isso. O choque provocado na sociedade israelita foi brutal e, com todo o historial do conflito, a resposta, também ela brutal, era inevitável. Mas, do outro lado, só para referir as duas últimas décadas, as sucessivas guerras contra a Faixa de Gaza e o cerco de que é vítima o território com mais de 2 milhões de palestinianos, foram igualmente brutais; o quotidiano da Cisjordânia pintado de incursões militares, mortes, detenções, check-points e expansão de colonatos, é igualmente brutal. A referência feita por António Guterres de que o 7 de Outubro não surgiu do nada, assenta nessa constatação.

Dignidade

Este é (ainda) o tempo em que qualquer discurso ou apelo à calma e ao diálogo dificilmente será escutado. O conflito dura há demasiado tempo, as feridas, dos dois lados, são profundas e estão (ainda) em desenvolvimento. A grande questão é a de saber qual será o preço que palestinianos e israelitas ainda vão ter de pagar até chegarem ao ponto de admitir que só um entendimento entre os dois povos pode construir uma paz durável que permita um futuro sem guerras nem mortes. Ou, a não ser assim, quando um deles extinguir o outro – algo implausível – obtendo uma “vitória” que terá associado o ferrete do genocídio, que o marcará para sempre enquanto povo e com o qual poucos quererão relacionar-se. Será um povo pária, que poderá ter um qualquer grande poder, mas que, apesar dessa hipotética vitória por aniquilação do inimigo, que lhe permitirá o controlo de um território, perderá a sua própria dignidade e a legitimidade da sua própria existência.

Todos esperamos o momento em que israelitas e palestinianos percebam que não há outro caminho a não ser o do entendimento, assim as duas sociedades tenham a capacidade de calar e varrer as vozes mais extremistas que as trouxeram até aqui. Até ao desastre.

Deixe um comentário