
A União Europeia está a discutir a aplicação de sanções (eventual recusa de vistos) a colonos israelitas envolvidos em acções violentas contra os palestinianos na Cisjordânia ocupada. Para já os Ministros dos Negócios Estrangeiros não chegaram a acordo e o assunto vai ser discutido no Conselho Europeu durante esta semana. A França admite avançar com sanções se a União Europeia não o fizer. Os Estados Unidos já estão a aplicar esse tipo de sanções, recusando vistos a dezenas de colonos que são suspeitos de ataques a palestinianos.
A violência dos colonos na Cisjordânia não é uma novidade. À falta de melhor, ou para não tocar noutros assuntos mais melindrosos, essa violência surge agora como o mal que todas as boas almas europeias pretendem combater.
Resolução 2334 do Conselho de Segurança da ONU
Em Dezembro de 2016, os Estados Unidos tomaram uma decisão histórica (estávamos a menos de um mês do final do segundo mandato de Barack Obama): bastou a abstenção norte-americana para que o Conselho de Segurança da ONU aprovasse uma resolução (texto completo no final do texto) que condena os colonatos, a acção dos colonos e todo o apoio que recebiam do governo e do exército. Houve 14 votos a favor para aprovar uma resolução que refere a tudo aquilo de que agora se anda a falar como se fosse novidade. Após a aprovação desta resolução, Israel chegou a dizer que os Estados Unidos tinham abandonado Israel. O embaixador israelita nas Nações Unidas admitia que com a chegada de Donald Trump à presidência norte-americana e a chegada do novo secretário-geral da ONU, António Guterres (eleito a 5 de Outubro de 2016), as relações entre Israel e a ONU seriam mais fortes. Sublinhe-se, já agora, uma posição muito diferente da que foi assumida pelo actual embaixador de Israel na ONU em relação a António Guterres.
Mas o importante é o que consta da referida resolução 2334, de 23 de Dezembro de 2016. Depois das considerações iniciais, há 14 pontos, dos quais destaco apenas dois para não vos maçar, mas que merecem ser lidos para percebermos que a situação de hoje na Cisjordânia, apesar de ser mais grave, já se desenha há muito tempo.
Ponto 4 da resolução 2334: (…) a cessação de todas as atividades dos colonatos israelitas é essencial para salvar a solução de dois Estados e apela à tomada de medidas afirmativas para reverter imediatamente as tendências negativas no terreno que estão a pôr em perigo a solução de dois Estados;
Ponto 5: Convida todos os Estados, tendo em mente o parágrafo 1 (Reafirmando suas resoluções relevantes, incluindo as resoluções 242 (1967), 338 (1973), 446 (1979), 452 (1979), 465 (1980), 476 (1980), 478 (1980), 1397 (2002), 1515 (2003) e 1850 (2008)) desta resolução, a distinguir, nas suas negociações relevantes, entre o território do Estado de Israel e os territórios ocupados desde 1967;
Despois de aprovada esta resolução seguiram-se 26 relatórios trimestrais, tendo o último sido divulgado em Julho de 2023. É um relatório (texto completo no final do texto) arrasador para a política israelita na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. São 14 pontos e destaco apenas dois:
3. Durante o período em análise, as autoridades israelitas avançaram com planos para 920 unidades habitacionais em Jerusalém Oriental ocupada e aprovaram 1.890 unidades habitacionais na Área C, 45% das quais estão situadas nas profundezas da Cisjordânia ocupada. Em Jerusalém Oriental, os planos avançados incluem 380 unidades em Ramot, 420 unidades em Gillo e 120 unidades em Ramot Allon. Além disso, foram anunciados concursos para 1.350 unidades habitacionais, incluindo 1.260 na Área C, das quais 260, ou 20 por cento, estão nas profundezas da Cisjordânia, e quase outras 90 estão em Jerusalém Oriental.
4. Em 10 de Abril, ministros do Governo israelita e membros do Knesset juntaram-se a mais de 15 000 colonos e outros civis israelitas e marcharam, sob forte segurança fornecida pelas Forças de Defesa de Israel, até ao posto avançado de colonatos ilegais de Evyatar, no norte da Cisjordânia, e apelaram ao Governo para que o legalizasse ao abrigo da lei israelita.
Os dois pontos atrás referidos traçam um retrato breve do que aconteceu entre Março e Junho de 2023. A expansão da presença de colonos é evidente e com o apoio de membros do Governo e do exército. É precisamente isto que está em causa: a violência dos colonos israelitas na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental, que hoje se discutem mas já existe há muito, só existe porque tem tido a cobertura política dos governos de Israel e a protecção militar do exército. São aliás conhecidas à exaustão imagens de colonos israelitas em acções violentas contra palestinianos e propriedade palestiniana, com o exército israelita a observar e, não poucas vezes, terminando com cargas contra os palestinianos que se tentam defender dos colonos.
O que fez/faz a União Europeia?
Outro aspecto que a União Europeia deveria esclarecer – tão ciosa do Direito Internacional em algumas situações – é o do ponto 5 da resolução atrás referida: o que fez a União Europeia (o que está em vigor?) para “distinguir, nas suas negociações relevantes, entre o território do Estado de Israel e os territórios ocupados desde 1967”? Todos gostaríamos de saber. O que fez a União Europeia para combater, de facto, os colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada?
Ver, agora, a União Europeia a discutir eventuais sanções contra os colonos, só pode ser entendido como manobra de diversão de quem pretende mostrar que faz alguma coisa mas que, de facto, não pretende fazer nada que possa ter um resultado efectivo a contrariar uma situação – a dos colonatos – que desrespeita a Lei Internacional.
Não são as eventuais sanções aos colonos que vão evitar na Cisjordânia o semear de bandeiras de Israel que assinalam o nascimento de novos colonatos. Nenhum dos defensores do Grande Israel e da anexação da Cisjordânia vai perder o sono com as sançõezinhas de Bruxelas.
Brincar às sanções não é bom para ninguém. Sabemos que a pressão diplomática vai sendo aplicada em diferentes patamares mas não adianta tomar decisões apenas para ficar bem na fotografia. Toda a gente percebe que dificilmente a União Europeia irá tocar a sério nos interesses israelitas.
Resolução 2334, de 23 de Dezembro de 2023: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N16/463/89/PDF/N1646389.pdf?OpenElement
Relatório do Secretário-geral – https://reliefweb.int/report/occupied-palestinian-territory/implementation-security-council-resolution-2334-2016-report-secretary-general-s2023458-enar
