Faixa de Gaza: Estados Unidos travam cessar-fogo

Robert Wood, embaixador adjunto dos Estados Unidos na ONU. Foto: website da missão dos Estados Unidos na ONU.

Não sei se alguém teve possibilidade de o fazer mas teria valido a pena seguir o debate (08.12.2023) no Conselho de Segurança das Nações Unidas. António Guterres, Secretário-geral da ONU forçou o debate e os Emirados Árabes Unidos apresentaram uma proposta de resolução a defender um cessar-fogo humanitário imediato. O fogacho de esperança depressa desapareceu. A proposta foi chumbada porque os Estados Unidos usaram o poder de veto. O Reino Unido absteve-se. Os outros 13 Estados membros do Conselho de Segurança votaram pelo cessar-fogo. Cumpriram-se as regras. Segue o massacre na Faixa de Gaza. É uma noite triste quando alguém que pode defender a vida prefere defender a morte.

Em Gaza, muitos dos que seguiram esta votação com alguma esperança, têm uma elevada probabilidade de morrer nos próximos dias. É esse o drama: há o poder de acabar com a morte e o sofrimento, e há quem prefira não o fazer em nome de uma paz que dificilmente algum dia chegará se continuar a situação de ocupação dos territórios palestinianos.

Um embaixador com “argumentos de papel”

Mas o que sobressai desta reunião do Conselho de Segurança da ONU é a intervenção do embaixador adjunto dos Estados Unidos, na tentativa de defender o indefensável. Não queria estar no lugar de Robert Wood. Aquele braço no ar, a votar contra o cessar-fogo, foi um momento de desgraça.

Argumentou o representante norte-americano que o Hamas “representa uma ameaça que nenhum dos nossos governos permitiria que continuasse nas nossas fronteiras. Não depois do prior ataque ao nosso povo em várias décadas”. Atentem bem nas palavras, porque mal Robert Wood terminou a intervenção já o comentador da Al Jazeera, Marwan Bishara, desmontava os argumentos. Desde logo, quando Robert Wood refere a ameaça que nenhum país aceitaria nas suas fronteiras, Bishara lembra que a fronteira de Gaza é diferente porque faz parte de um território (palestiniano) ocupado. Os países que não aceitariam tal ameaça não ocupam territórios que não lhe pertencem e portanto a comparação não faz sentido. Depois, Robert Wood refere-se ao “nosso povo” quando fala dos que sofreram o ataque do Hamas. Ora, quem sofreu o ataque foram israelitas (embora alguns com dupla nacionalidade) e não o povo norte-americano. Aqui chegados, Marwan Bishara até chegou a dizer, ironicamente, que Israel é agora o 51º Estado dos Estados Unidos da América. Um diplomata norte-americano nas Nações Unidas representa os Estados Unidos e não Israel. Não pode embrulhar-se assim nas palavras como se estivesse num grupo de amigos em que todos têm as mesmas preferências.

A dificuldade em defender a continuação da guerra com argumentos válidos, arrasta os diplomatas norte-americanos para momentos embaraçosos sempre que essa argumentação é esmiuçada. A aparente razão fica vazia quando lhe falta coerência. Basta lembrarmo-nos de declarações recentes da embaixadora norte-americana na ONU Linda Thomas-Greenfield sobre a guerra na Ucrânia quando perante o ataque da Rússia, sublinhou que havia mulheres e crianças a morrerem, escolas e hospitais a ser bombardeados, alvos civis a ser atingidos… agora, em Gaza, os Estados Unidos não conseguem ver nada disso apesar de já sabermos que o elevado número de mortos e a destruição de “tudo o que mexe” tornam esta guerra como uma das mais mortíferas de sempre.

Todos iguais

Aliás, os Estados Unidos estão com muita dificuldade em mostrar coerência em todo este processo e noutros, onde cada declaração faz ricochete perante as frequentes e evidentes contradições. O já referido Marwan Bishara, na Al Jazeera, lembrou ainda que os Estados Unidos acusam o Irão de armar os Houhtis iemenitas, que atacam agora alvos no Mar Vermelho e outros na região, em retaliação pelo ataque israelita a Gaza. Se forem seguidos os mesmos critérios, então os Estados Unidos são responsáveis por tudo o que está a acontecer em Gaza uma vez são os Estados Unidos que estão a armar Israel. Até ontem, desde o início da guerra, os Estados Unidos fizeram chegar a Israel 200 aviões carregados de material militar. Não é coisa pouca e ninguém sabe que tipo de guerra poderia Israel estar a fazer sem este apoio norte-americano.

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